Artigos +

O dever de revelação do árbitro: na dúvida, pró-revelação?

Ane Elisa Perez
Thaina de Paula Carvalho

Não é de hoje que o dever de revelação do árbitro, ou árbitra, indicado a compor o tribunal
arbitral é aspecto de debates, controvérsias e polêmicas na seara arbitral. No ordenamento
jurídico brasileiro, a preocupação com a imparcialidade e independência do árbitro decorre de
imposição legal segundo disposto no art. 14, da Lei nº 9.307/96, cujo teor reflete a
necessidade de preservação da regularidade da arbitragem por meio da previsão do dever de
revelação do árbitro, que se constitui como etapa primordial no procedimento.

Contudo, fato é que o dever de revelação, além de trazer consequências para o regular
processamento da arbitragem, assegurando a sua lisura, tem sido frequentemente utilizado
pela parte descontente com a sentença arbitral como verdadeira tática de guerrilha, já que a
Lei de Arbitragem possibilita o ajuizamento de ação anulatória com base em alegação de
parcialidade e dependência do árbitro, na forma do seu art. 32, incisos II e VIII – não são
poucas as oportunidades em que as partes utilizam da abertura fornecida pela Lei nº 9.307/96
para ajuizarem ações desmedidas e desnecessárias que não refletem atentado algum à
imparcialidade ou à independência do árbitro, mas sim mero descontentamento com a
sentença que lhe foi desfavorável.

Esse ajuizamento demasiado de ações anulatórias com fulcro nos mencionados dispositivos
tem base em uma brecha da Lei de Arbitragem, que, em relação ao dever de revelação,
instaurou um sistema de “dúvida mínima”. Isso é dizer que, à luz da interpretação mais
conservadora, o árbitro deve, ao menos em tese, revelar tudo que poderá comprometer a sua
imparcialidade ou independência. A ideia da “dúvida mínima”, porém, não se mostra muito
acertada, já que traz em si uma confusão entre dever de revelação e violação à imparcialidade
e à independência do árbitro – uma coisa não se confunde com a outra.

A simples falta do dever de revelação não implicará necessariamente na dependência ou
parcialidade daquele que atuou – ou atua – em procedimento arbitral. Assim, mesmo que um
fato não tenha sido pontuado pelo árbitro quando de sua indicação ou ao longo do
procedimento, não necessariamente esse mesmo fato não revelado afrontará a sua
independência ou a sua imparcialidade. Isso porque a mera omissão do árbitro em revelar um
fato não ocasiona, por si só, a invalidade da sentença arbitral, longe disso, a violação da
atuação do nomeado resta caracterizada apenas quando o fato omitido, ou revelado a
destempo, violar as premissas necessárias de sua atuação.

É claro que as boas práticas recomendam que o dever de revelação seja atendido pelo árbitro
no momento adequado e oportuno – ou seja, quando de sua indicação e tão logo surja um fato
novo que possa comprometer a sua atuação. Porém, seria desmedido afirmar que uma simples
omissão quanto à revelação de fato passado ou presente acarreta, per si, a nulidade de todo o
procedimento, ainda mais naqueles casos em que o fato revelado – mesmo se tivesse sido
revelado no tempo e modo devido – não viola as premissas às quais o árbitro se submete (isto
é, independência e imparcialidade).

Face a isso, é preciso que a ação anulatória não apure somente eventual omissão do árbitro em
revelar algum fato. É necessário ir além, é preciso que se apure se o fato omitido,
comprovadamente, afetou as garantias depositadas no árbitro pela parte e pela lei, sob pena de
formalismo excessivo que pouco se coaduna com o procedimento arbitral, mais flexível e
aderente às regras do jogo, conforme prevê, inclusive, o próprio Enunciado 110 da II Jornada
de Prevenção e Solução Extrajudicial do Conselho da Justiça Federal, realizado em agosto de
2021.

A resposta, então, à pergunta do título é afirmativa: para se evitar problemas futuros,
recomenda-se que o árbitro revele aquilo que possa, aos olhos das partes, comprometer a
confiança nele depositada. Entretanto, não se deve dar uma importância maior ao dever de
revelação do que as próprias implicâncias que eventual fato não revelado trouxe para a
atuação concreta do árbitro. É isso que se deve ter em mente quando da análise das ações
anulatórias, sobretudo porque essas ações devem ser tidas como ultima ratio, justamente para
que se mantenha incólume a seriedade da arbitragem, ao mesmo tempo em que se permite que
as principais garantias previstas na Lei de Arbitragem brasileira sejam asseguradas, sem
prejuízos para aqueles que optaram legitimamente pela via como meio adequado de solução
de seus conflitos.

Escrito por: